sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PARA QUEM QUER SE LANÇAR


Taiasmin Ohnmacht

 

 

É abordada no Bom Fim. Um homem vesgo e um cartão. A direção da mão dirime a dúvida diante do olhar.

            Micail do Nascimento – Socorrologista

            Aline pega o cartão impressionada com as profundas rugas de um rosto mais mal cuidado do que velho.

- Alguém me odeia. – fala sem perceber que fala.

- Tudo é relativo.

            Aline é conduzida por Micail até seu consultório. O branco irreal das paredes, piso e móveis é quebrado por pirâmides douradas, em teto e cantos.

- Tu não pode me ajudar. Eu preciso que alguém morra. – na voz dela, apenas decepção.

- Eu só faço partos.

            Por já estar lá e não ter opção melhor, ela se deixa deitar no tapete imensamente branco, a cabeça encaixada em uma estrutura piramidal. Antes de liberá-la, Micail receita toalha úmida na cabeça e arroz selvagem. Aline fica mais esperançosa, lembra sua avó lhe dizendo não haver ganho sem sacrifício.

- Dentro de uma semana sua vida será outra, mas não esqueça; a toalha tem que estar sempre úmida.

            Aline ficou imaginando o que poderia mudar na sua vida se não houvesse uma morte. Por via das dúvidas e a despeito dos olhares curiosos, passou a usar a toalha molhada como gorro. Difícil mesmo foi o arroz. O intestino começou a funcionar com regularidade, mas isso não chegou a mudar sua vida.

            Após o terceiro dia de tratamento, ganhou um passeio de monomotor sobre o Guaíba. Sorteio de um galeto paroquial ao qual nunca foi. Contente, passou a umedecer ainda mais a toalha.

            Emocionada com o primeiro voo de sua vida, nem percebeu quando o único motor parou de funcionar. O piloto agitado começou a gritar. Quando Aline entendeu o que estava acontecendo, olhou para o rosto apavorado de seu condutor, lembrou de Micail e o amaldiçoou. Resolveu pular do monomotor, só para ter o prazer de fazer a última escolha da vida. Em sua queda, foi subitamente puxada para cima. Havia um paraquedas em sua cabeça. E ele estava seco. Pousou os pés no chão com delicadeza, mas aí já era outra. E no solo saiu andando Renata.

 

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