domingo, 3 de fevereiro de 2013

POR UM FIO


 

Taiasmin Ohnmacht

 
            O pior era olhar para fora e ver as árvores em flor. Aquele cenário fazia com que sua vida parecesse ridícula. Silvana saiu da janela e voltou-se para a sala. Naquele apartamento bagunçado, frio e silencioso residia sua realidade. Na rua, a natureza debochava dela, nada mais.

            Ela largou-se no sofá. Que mal havia? Era assim que se sentia, em aparência, asseio e sexo. Uma mulher largada. Silvana afundou um pouco mais no sofá. Talvez nunca mais conseguisse sair de lá. Pelo menos, na sala a ausência dele era pouca, mas na cozinha e no quarto tudo gritava Manoel.

            Ele não foi por que quis. Ela o mandou embora. Morena, não pode acreditar quando encontrou um longo fio de cabelo loiro preso à cueca dele. Manoel tentou argumentar que poderia ser da empregada, um acidente ao cuidar das roupas do casal, ou o fio poderia ter caído da cabeleira da vizinha de cima, precipitou-se um andar e pousou inocentemente na cueca que secava no varal. Silvana não sabia o que havia a enfurecido mais, se a descoberta capilar ou as explicações estapafúrdias. O fato é que Manoel se foi.

            Agora, formando um único corpo com o sofá, perguntava-se; por que não ignorar aquele deslocado fio? Não imaginou que sentiria tanta saudade de Manoel. Será que ele voltaria? Se nada houvesse dito ao recolher a cueca do banheiro para lavar, ele nunca teria se justificado com tantas asneiras e ela encontraria alguma hipótese razoável para tranquilizar-se.

            Manoel era um homem sensível, se ela pedisse desculpas, talvez ele voltasse. Ela virou para o outro lado no sofá. Não pode ser assim. Imagina, logo ela pedindo desculpas. A prova do crime estava na cueca dele! Tudo o que Silvana fez foi ter olhos para ver.

Quem sabe fingir um suicídio? Ele voltaria. E culpado. Poderia tomar remédios, mas só havia homeopatia em casa. Cortar os pulsos. Não, gostava muito da própria pele. Pular do quarto andar. Como se fingi uma queda? Lembrou-se dos livros. Manoel falou que à noite iria buscá-los. Silvana imaginou-se ameaçando atear fogo nos livros, caso ele não voltasse para casa. Sem chance.

            Desanimada, ligou a TV. Qualquer coisa seria melhor que seus pensamentos. Mesmo angustiada, viu uma reportagem sobre a Feira do Livro. Ela e Manoel sempre iam juntos. Antes mesmo de a ideia tomar corpo em sua mente, começou a se arrumar. Um livro. Um não, muitos. Um para ele. O livro a ajudaria a dizer o que não conseguia. Um livro sobre a canalhice masculina. Não. Sobre traição. Não. Sobre amor. Isso! Talvez um livro de poesias. Nada como as palavras de um poeta. Mais de um livro. Autoajuda. Sim, ela precisava. Como superar a traição. Como vingar-se do marido. Como ter autoconfiança. Como lidar com a raiva. Como conversar. Talvez de tudo um pouco. Ah, não podia esquecer o toque final; um livro de mistério ou de aventura, com um convite para eles lerem juntos todos os dias à noite, deitados na cama e com os pés entrelaçados, como costumavam fazer.

 

 

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