Taiasmin Ohnmacht
Quando todos se foram,
ficou a avó. Ficou, não; Luana das Encruzilhadas ficou. Sem escolhas, para avó
e neta.
Sentada
à mesa, olhava a cozinha muito limpa; piso, mesa e pia. E a avó que ia e vinha
ao redor do fogão. Cheiro de limpeza e de comida, mas Luana não tinha fome,
quase nunca tinha.
A
mulher do conselho tutelar falou com sua avó, era a segunda vez. Na primeira
vez, a avó se recusou a ficar com eles, a mãe disse que estaria sempre por
perto, e o pai, desaparecido, assim permaneceu. A mãe foi a única que mentiu. E
bons anos se seguiram. Luana das Encruzilhadas e os irmãos, fim de infância,
início de adolescência.
A
avó falava e falava enquanto cozinhava, sempre falava demais, era muito ruído
para Luana, fervura, fritura, metal raspando, metal batendo. Luana queria os
irmãos, a casa em que viveram, a família que conhecera, a bagunça que era só
deles. Queria o meio-fio onde ela e seus dois irmãos sentaram ao se darem conta
de que a casa estava vazia e assim ficaria se eles não entrassem nela, e que
ninguém os chamaria para dentro.
Foi
na encruzilhada que Luana tomou o primeiro gole. Em uma aposta com a criançada
da rua, ela e seus irmãos pegaram a cachaça do santo, sem qualquer hesitação,
só não pegaram a comida porque os cachorros chegaram antes.
Pouco
a pouco todos foram partindo, o irmão do meio morto em um assalto, o mais velho,
de muda para a casa dos pais da namorada grávida, julgou que a casa das
encruzilhadas não era bom lugar para criar filhos.
Luana
vagou por um tempo, becos, ruas, avenidas. Até se trancar em casa com muitas
garrafas e a certeza de que tinha tudo o que era preciso. Não havia mais
irmãos, não havia mais família.
Os
vizinhos que se mobilizaram anos antes e ajudaram as crianças com comida, não
faltaram mais essa vez, mesmo acostumados com o caos da casa da esquina, ver
Luana das Encruzilhadas fechando todos os caminhos com seu miúdo corpo ébrio caído,
foi demais. Procuraram a mãe, os familiares, o Estado.
Sobrou Luana e as encruzilhadas.
E a avó.
Agora
tudo o que Luana queria era apagar um pouco. Sua avó serviu-lhe o almoço, mas a
menina apenas deslocava a comida de um lado para o outro enquanto se perguntava
se não haveria algo para beber naquela casa tão limpa. Álcool, é claro! O
cheiro de limpeza da casa era de pano com álcool.
Levantou-se
da mesa e começou a revirar os armários da avó.
─ A comida aqui é simples, não tem outra
coisa.
Luana
não escutou, continuou revirando os armários, procurando álcool de limpeza.
─ Está procurando o quê, menina?
Alimentos,
panelas, pratos.
─ Senta e vem comer.
Potes
com arroz, feijão, açúcar. Saleiro, macarrão, café. Então, Luana escutou:
─ O mesmo desassossego do teu pai.
Encontrou
o vinagre de álcool. Pegou-o e olhou para a avó que lhe devolvia o olhar enquanto
mastigava.
─ Eu não fiz salada, amanhã faço. O teu
pai também gostava. Senta aqui, vamos almoçar.
Luana
sentou, derramou muito vinagre no prato e, por fim, comeu.