segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

CRÔNICA DE UM DESEJO



 
Taiasmin Ohnmacht

 

Eu o desejo amante de um amor já perdido. Sou daquelas pessoas que inventam amores e que desejam o desejo.

            Não quero falar dos motivos, nem saberia. Quero dizer que imagino, ao lado dele, um mundo à parte, protegido do cotidiano. Não suporto dias previsíveis, nem vida repetitiva. Quero ser arrebatada por algo incontrolável, que me tire do eixo e me torne outra, porque tem algo em mim que eu mesma não aguento.

 

            Ele deixou visível uma intimidade com a namorada e eu comentei. Sim, fui inconveniente. Sim, me excedi. Sim, quero entrar pelas frestas que há entre os dois e sorver os fluídos que trocam, quero ser ela e ter o melhor dele, quero ser ela e deixar de ser também.

(e aquele que se chama meu marido ignora o meu desejo. Ele pensa que sabe e atende ao que pensa que eu quero. Saberia um pouco mais se me escutasse)

            Espero todos os dias pelas palavras que ele digita, que os seus dedos se acomodem em meu corpo e encham meu corpo/copo de perguntas bobas, de perguntas vazias, de um querer que me tome.

            Essa mania de inventar amores sempre acaba me deixando com um gosto amargo na boca. É bom que eu me lembre: não sou uma opção para ele (nem ele para mim), posso ser um acidente, não uma opção.

            Não conseguimos ser nem amantes, nem amigos. O carinho que temos, o gosto por conversar e as afinidades, são contaminados pela atração. E toda palavra tem mais de um sentido, e lemos os vários sentidos fingindo não ler, e gozamos nossa fingida seriedade e gozamos. Estou intoxicada dele, estou intoxicada com meu desejo. Ao não consumi-lo, consumo a mim.

            Entre conversas e silêncios, vou compondo minha idealização. Todas as conversas com ele são belas, mas às vezes terminamos mais amigos que amantes e não sei se me agrado. Sexo com ele é uma fantasia, talvez unilateral, mas o que mais me encanta é pensar que ele possa me desejar, que eu possa seduzi-lo. De qualquer modo, é possível que exista mais sexo em nossas conversas do que jamais poderia se dar em um encontro físico.

            Agora dei para ter ciúme dele! Não é exatamente de outras mulheres, mas de que ele encontre vida em outro lugar que não seja em mim. Esse é um mal do qual padecem todas as mulheres, sobretudo as apaixonadas.

            Escrevo essas linhas para perverter desencontro em encontro, com o açoite da palavra. Talvez aqui eu tenha o que essencial dele e que só possa ser encontrado em mim.

            Hoje pensei estar livre dele, mas percebi que não, estou apenas longe. Suspeito que ele seja o próprio desejo. Às vezes sei o que ele anda fazendo, outras não. Ele nunca mais me disse estar com saudades e eu me apego a palavras que a barra de rolagem leva adiante. Não, nunca estou indiferente. O meu desejo não está à deriva, mas afrouxado.

 

            Eu me conformo com o dia a dia e com o amor que posso ter. A vida não é grande coisa, nem pra mim nem pra ninguém.

            Não falo em amor, mas em uma certa necessidade de existir para além da vida comum e por isso escrevo. Ninguém pode suprir o meu desejo para o fantástico e, assim, fico o inventando em meu cotidiano.

            Vou enviar para ele todas os poemas que escrevi.

            Eu não tenho o direito. Eu não o tenho direito.

            Então é isso, estamos apartados. Não importam as palavras, ele sabe e eu sei que a escolha foi pelo fim. Não foi surpreendente, foi medíocre. Do jeito que se esperava desde o princípio. Surpreendente seria se tivéssemos nos permitido.

2 comentários:

  1. Te ler é sempre muito bom. Quanto talento pra juntar palavras ...
    Zélia

    "Não suporto dias previsíveis, nem vida repetitiva. Quero ser arrebatada por algo incontrolável, que me tire do eixo e me torne outra, porque tem algo em mim que eu mesma não aguento."

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